ABSENTIA
Absentia significa ausência, uma palavra originada do latim que denota o afastamento de uma pessoa do lugar de onde ela deveria estar. Para o mundo da psicologia analítica, a ausência pode ser interpretada como um distanciamento do indivíduo frente a ele mesmo, ou seja, quanto mais se afasta do seu mundo interno, mais distantes de si mesmos e quanto mais distantes, mais se sente falta de algo que não se sabe o que é. A primeira sensação de uma ausência não identificada gera um incômodo, uma angústia, um vazio e consequentemente uma frustração por não saber nomear aquilo que se sente.
Na tentativa de buscar uma resposta que alivie essa angústia inicial do “não saber”, muitas pessoas procuram no mundo externo elementos que possam se encaixar nesse quebra-cabeça confuso das nossas emoções, como por exemplo, o consumismo exagerado, a fome compulsiva, o trabalho em excesso, vícios em geral, viagens impulsivas, entre outras tantas possibilidades que forneçam uma ilusão completamente equivocada de um preenchimento que não ocorre genuinamente, ou seja, a grande maioria das pessoas tenta erradicar a ausência e toda confusão de sentimentos que ela promove através da introjeção de diversos objetos que supram esse buraco. O que acontece é uma transferência de um estado emocional vulnerável que ainda não sabe se expressar de forma consciente, para uma compensação externa que promete trazer prazer e alívio às angústias não interpretadas.
Ah, se fosse possível burlar o inconsciente, essa com certeza seria uma ótima opção, mas infelizmente, nosso aparelho psíquico possui instrumentos que agem independentemente de nossa vontade e sempre nos dá indícios de que algo não vai bem, porém nem sempre conseguimos perceber esses sinais, porque estamos preocupados em encontrar algo no mundo externo que nos preencha. Assim, quanto mais compensações, mais distantes ficamos de compreender o que realmente acontece dentro de nós. Muitas vezes não encontraremos respostas que supram essa ausência, porque nem sabemos o que é que falta e é aí que segue a pergunta:
– Temos falta do que?
Acredito que temos nos afastado tanto da nossa essência por razões das mais variadas que no final das contas nos tornamos uma caixinha de surpresas para nós mesmos. São tantas as compensações, as necessidades do mundo, os encaixes sociais, as obrigações, regras, normas e tantos personagens que desempenhamos ao longo da vida que parece estarmos cada vez mais descolados de nosso próprio ser e chega uma hora que começamos a sentir falta de nós, o que gera uma intensa solidão. A grande questão é que nem sempre compreendemos dessa forma e cobramos isso do mundo externo e das pessoas que convivem conosco. Cobramos atenção dos nossos pais, parceiros, maridos ou esposas, cobramos aumento de salário, promoções no trabalho, reformas políticas e sociais, cobramos tantas coisas e tantas atenções, porém nada é suficiente, porque esse não é necessariamente o caminho que irá nos tirar da solidão.
Carlos Drummond de Andrade disse:
“Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.”
Encarar a nossa própria solidão não é tarefa fácil, porém partir em uma viagem interior para compreendê-la e assimilá-la faz com que possamos integrá-la em nossa vida e a partir de então, uma ausência desconhecida passa a ser íntima e ao invés de incomodar, nos preenche, completa e traz novas perguntas que trazem novas respostas e possibilitam uma vida mais plena. Talvez nem tão plena assim, mas com certeza com um conhecimento maior de nossas emoções e sentimentos. Descobrimos assim que nossa companhia pode ser extremamente agradável para nós mesmos. Então, não nos sentiremos mais sozinhos, pois preenchidos por nossos próprios conteúdos, nos tornamos mais independentes e conscientes de nossa história.