A experiência amorosa nasce da necessidade de se encontrar no outro aquilo que falta em si mesmo. O encantamento que nasce daí é produzido pelo desejo de obter para si aquelas características que de tão admiradas geram uma certa necessidade de possui-las. O desejo faz parte da própria essência do ser humano e o movimenta na busca de seu aprimoramento para continuar a existir enquanto indivíduo. Assim, podemos dizer que toda experiência de amor é movida pelo desejo de perseverar e expandir sua potência de ser e estar no mundo, pois brota da possibilidade de se perceber entre mil pessoas e poder ficar preso por uma única imagem que parece ligar os motores da vontade e do desejo de ser algo além daquilo que se é. Isso nos leva a pensar que todo relacionamento é por si uma experiência de crescimento e de amor à sua própria necessidade de existir.
Nessa viagem misteriosa através do amor cada um encontra o outro e por trás do outro, encontra a si mesmo. Amar é uma ocasião inigualável para amadurecer, tornar-se em si alguma coisa e por isso mesmo é uma das experiências mais doloridas pelas quais o ser humano se permite passar. Penso não existir outra condição humana em que se aceite suportar sofrer tanto por alguém como quando se ama verdadeiramente. Pode soar estranho quando pensamos que o amor deveria trazer felicidade, mas esta é mais uma das grandes ilusões que criamos e que precisamos descontruir para poder superar as horas intermináveis de sofrimento e de angústia que uma relação amorosa profunda nos traz. Somente as pessoas que amamos verdadeiramente podem nos fazer sofrer com a mesma intensidade que a amamos. O amor desperta sentimentos ambíguos por natureza, é um querer e não querer, amar e odiar, sofrer e sorrir… quando dizemos sim a alguém dizemos sim à vida e à morte, pois o amor é o temor que faz crescer. É ele quem descortina diante de nós conflitos que só poderíamos ativar através da relação amorosa. O amor é confusão, desordem, perturbação, irritabilidade, é o caos que proporciona o nascimento de uma nova existência, de uma nova dimensão do próprio ser que se expande com a dor de amar. Dessa forma, acredito que a capacidade de se manter viva uma experiência de amor não depende de artimanhas materiais, mas sim da possibilidade de se dividir com o outro o enriquecimento interior que surge das adversidades do dia-a-dia que compõem a relação. É o que se constrói internamente através da dor que suscita a alma do indivíduo que se aproxima do ser amado, pois é aí que se compartilha a verdadeira essência de amar, onde se encontra a parceria, a intimidade e o desejo de ser uma pessoa melhor através daquilo que o outro desperta em nós mesmos. É a capacidade de amadurecer, reconhecer e de olhar para dentro que alimenta a experiência do amor. Nesse momento é que o indivíduo sente que realmente existe, porque então deixa de servir ao outro para servir a si mesmo, ao seu propósito e à sua própria experiência de ser, onde assume a responsabilidade pela própria orientação de sua vida e adquire consciência. Só é possível enxergar a própria luz e reconhecer a própria força através do escuro que o caos amoroso suscita em cada um.
O amor é dramático por natureza. Deixa feridas que custam a cicatrizar. Ausência e presença se tornam elementos condutores de toda relação, pois quando vivemos uma experiência amorosa que nos envolve profundamente, experimentamos infalivelmente a solidão, que intensifica a busca pela consciência, na medida em que supõe a perda de toda ilusão sobre a própria relação. Esse tipo de amadurecimento implica, portanto, que não se espere mais nada dos outros. A consciência para uma relação mais amadurecida vai passar necessariamente pelo medo de perder. Quando falta o medo a nossa dimensão amorosa sucumbiu à ilusão das exigências infantis, pois a confiança total é uma forma de voltar ao estágio uterino onde tudo é seguro. No amor nada é seguro e é na dor que o medo e ausência do outro provocam que o amante percebe indubitavelmente que está vivo. Se pensarmos bem, compreendemos que toda a nossa vida é uma luta para captarmos aquela coisa que nos escapa e para podermos lutar devemos aprender a sentir sobre os nossos pesados ombros o peso que a ausência do outro nos traz. A perda traz o silêncio de uma cidade morta, mas é ela também que reconduz ao desejo que é acesso pela falta de algo que parece vital.
A ausência do ser amado leva o indivíduo para o seu mundo interior, para a sua própria solidão. No fundo é preciso ser só e sentir a solidão para que seja possível compreender o que significa a presença do outro, para reconsiderar a importância que esse outro ocupa na sua própria existência. O encontro entre dois amantes acontece sempre entre duas solidões. É nesse momento onde não existem sinais externos de garantias que tragam conforto ou segurança que o amor ressurge, pois ele vem do fortalecimento de um mundo interior onde encontramos a força necessária para poder seguir em frente, independente das feridas que ficaram e das influências advindas do mundo externo.